sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Lá estão elas


Quem tirou esta foto foi minha amiga Martha, que estava em viagem missionária. O local é Caminhos de Ferro-Tête-Beira, em Moçambique. Não preciso nem chamar a atenção para a garrafa de coca-cola no braço da menina...


As marcas globais estão em lugares nos quais não conseguimos chegar sequer com nossos pensamentos.


Coca, Mc Donalds, IBM, Microsoft... quem poderá construir pontes que atravessem o fosso existente entre ricos e pobres? Tenho certeza que não serão eles.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Sobre os fatos e os argumentos


Estava escrito em um display no banheiro do hotel:

“Pendure suas toalhas que não necessitem ser trocadas. Estimativa da Unesco destaca que, até 2050, três bilhões de pessoas em 48 países enfrentarão problemas de escassez de água. Participe”. Já vi algo parecido em vários hotéis.

Vou testar hipóteses (expressão que Luis Nassif usa para descrever a prática contemporânea do jornalismo, que cria os fatos antes de apurá-los):

Hipótese 1: repentinamente, os donos de hotéis foram tomados por um surto civilizatório e resolveram ajudar a proteger os recursos do Planeta.

Hipótese 2: os hotéis querem economizar água (e dinheiro) e, para isso, estão recorrendo ao mote ambientalista do momento, como se os hóspedes não percebessem nada.

Quantas vezes na vida usamos falsos argumentos para defender nossas posições ou nos apresentar diante dos fatos e das pessoas? Será que conseguimos enganar a nós mesmos?

Codinome Beija-Flor

Que coincidência é o amor. A nossa música nunca mais tocou.

domingo, 26 de agosto de 2007

Maiakovski

Houve um tempo em que sonhei em ser um poeta como Maiakovski. Não tinha talento. Este é o meu poema predileto deste russo:

LÍLITCHKA!
Em lugar de uma carta

Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto -
um capítulo de inferno krutchônikh.
Recorda -
Atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração - aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu "hall" escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo ,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor-
duro fardo por certo -
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa. (Maiakovski)

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Os nomes


Na madrugada desta quinta, 23, 25 presos morreram queimados em uma cela da cadeia pública de Ponte Nova, interior de Minas, depois de uma briga entre gangues rivais. Até o final da tarde não haviam sido divulgados os nomes das vítimas. Não houve clamor da opinião pública por esta omissão, como acontecera no caso do acidente com o avião da TAM, há pouco mais de um mês (Nem a turma do movimento Cansei apareceu).

Gosto de refletir sobre a nossa relação com os nomes. Me lembro que na minha cidade natal, Alvarenga, os homens eram reconhecidos pelos nomes das esposas. Meu primo era o Zé da Gracinha. Acho que as mulheres professoras, como a Gracinha, tinham mais valor naquela sociedade em que faltavam ofícios mais relevantes para os homens.

Atrás dos nomes se escondem as imagens e os atributos das pessoas.

Quem nunca emprestou um codinome à pessoa amada? “Amor”, “bem”, “anjo” – são alguns dos tratamentos preferidos por quem ama com paixão. Se eu pronuncio o nome, ou o codinome, trago a pessoa para perto de mim.

Quando a gente não dá valor aos nomes e transforma os sujeitos em estatísticas (feito os presos queimados vivos), diz, ainda que inconscientemente: “esta pessoa não tem parte conosco, não tem direito a um nome que a traga para junto de nós”.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Ainda o Código de Conversão das Igrejas

Para debater o Código de Conduta das Igrejas, segue um comentário de Eduardo Nunes:
É da natureza das instituições o controle. É ainda da natureza das instuições a criação de espaços onde este controle possa ser melhor exercido. A novidade é que em uma sociedade que cria espaços fluidos como a nossa, esta natureza das institituições passa a trazer um quê de ridículo pq os espaços que elas pretendem controlar não parecem corresponder à realidade, fluida. Mas não desprezemos a capacidade de sucesso destas fórmulas institucionais, ainda que ridículas. Elas parecem atender a um ambiente de faz-de-conta que as instituições (seja o Estado, Igrejas, ONGs, etc) criam para exercer seu controle. Mas, tornam-se reais de justificam discussões, pautas e catalizam estas instituições em tonro de temas. Enfim, mesmo sendo um faz-de-conta resultam em algo concreto, que é o exercício do poder.

Pouco é necessário


Assisti à Bloomberg ontem e fiquei pensando que gostamos mesmo de nos afogar em informações.

A explosão informacional é um dos fenômenos que molda nossa sociedade contemporânea. Somos bombardeados por informações que chegam de todos os lados e, muitas vezes, cremos que estamos conhecendo mais. Excesso de informação não significa, necessariamente, mais conhecimento.

Houve um tempo em que me percebi viciado pela na rede de televisão Bloomberg. Pensava comigo: como é bom ver tantas notícias ao mesmo tempo. Quem conhece a Bloomberg sabe do que estou falando. A emissora inunda a tela da sua televisão com informações de economia. Enquanto o apresentador conduz uma entrevista no canto superior esquerdo do vídeo, surgem do lado oposto as cotações momentâneas das principais moedas do mundo. Abaixo, a tela se divide em mais quatro ou cinco espaços nos quais são exibidas outras informações: indicadores das bolsas de valores, desempenho das ações, balanço das grandes empresas, cotações de comodities, etc. É impossível ler tudo ao mesmo tempo.

A reprodução excessiva de informações pode contribuir para a desinformação, na medida em que nos falta espaço para a construção de sentidos sobre as coisas.

Para empreender um bom projeto de vida, creio que precisamos encontrar um caminho simples neste labirinto da modernidade, que nos apresenta saídas a todo instante. Como diria Jesus, “pouco é necessário, ou mesmo uma só coisa”.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

FREJAT - Amor Pra Recomeçar

Como sugestão do Sandro para o post Compartilhando a Vida, segue uma canção do Frejat:

AMOR PRA RECOMEÇAR

Eu te desejo não parar tão cedo
pois toda idade tem prazer e medo
e com os que erram feio e bastante
que você consiga ser tolerante
Quando você ficar triste
que seja por um dia e não o ano inteiro
e que você descubra que rir é bom
mas que rir de tudo é desespero
Desejo que você tenha a quem amar
e quando estiver bem cansado
ainda exista amor pra recomeçar,pra recomeçar
Eu te desejo muitos amigos
mas que em um você possa confiar
e que tenha até inimigos
pra você não deixar de duvidar
Quando você ficar triste
que seja por um dia e não o ano inteiro
e que você descubra que rir é bom
mas que rir de tudo é desespero
Desejo que você tenha a quem amar...
Desejo que você ganhe dinheiro
pois é preciso viver também
e que você diga a ele pelo menos uma vez
quem é mesmo o dono de quem
Desejo que você tenha a quem amar...

Código de Defesa dos Interesses Eclesiásticos


Foi matéria de meia página no Estadão: o Vaticano, a Aliança Evangélica Mundial e o Conselho Mundial de Igrejas se uniram para discutir um código de conduta que regulamente o assédio aos fiéis pelas diferentes religiões.

Para responder à perversa realidade que enxerga a fé como mercado, as igrejas decidem se controlar, tratando os fiéis como produtos. Não há a menor diferença entre o salve-se quem puder de hoje e as fronteiras que este código pode vir a impor. No fundo, no fundo, as igrejas continuam imaginando que podem ser guardiãs do Espírito Santo, aquele que Jesus Cristo definiu como um “vento que sopra onde quer”.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Compartilhando a vida


“Nada é realmente seu quando você não pode dividir com as outras pessoas”.

Li a frase em uma destas revistas de companhias aéreas. Parece um bordão de almanaque, mas dizem que é um ditado muito popular na Hungria. Não importa a origem. A afirmativa pode significar bastante.

Quando parei para pensar no conteúdo que estava posto ali me veio logo à mente o encontro de Jesus com um jovem rico, narrado nos Evangelhos. Confrontado com a proposta de Jesus (dividir tudo o que tinha com os pobres), ele fez silêncio e prosseguiu no seu caminho. A verdade é que o dinheiro do qual o jovem tinha posse não lhe pertencia. E por que não? Porque era um dinheiro que o aprisionava ao egoísmo, ao individualismo, à opressão dos mais pobres, à vaidade. Estes valores eram os verdadeiros donos do dinheiro que haviam emprestado ao jovem. Ele realmente não poderia dividi-lo com os pobres.

Se não temos uma atitude de despojamento em relação aos nossos bens, não podemos dizer que eles nos pertencem. O mesmo vale para os sentimentos que pensamos ter desenvolvido em nós. Quem não pode perdoar o outro, nunca desenvolveu em si o perdão; quem não demonstra carinho para com os filhos, não conhece a ternura; quem não pode chorar com aquele que sofre, não sabe o que é a solidariedade.

É bem verdade que nós confeccionamos cortinas para nos impedir de perceber os sentimentos que não estão desenvolvidos em nós. Por esta lógica, tentamos reafirmar que o outro não merece receber o que nos é mais precioso. Se não estamos dispostos a dividir os sentimentos é porque ainda não os temos.

sábado, 18 de agosto de 2007

A prisão dos bispos

Estevam e Sônia Hernadez, bispos da Igreja Renascer em Cristo, foram condenados ontem nos Estados Unidos a 5 meses de prisão. Eles foram acusados de conspiração por terem entrado com uma mala cheia de dólares em Miami, sem declarar o dinheiro que levavam.

Depois de algum tempo em silêncio, eles assumiram o crime, mas deram uma justificativa. Estevam e Sônia disseram que haviam decidido fixar residência em Miami porque estavam com medo de sequestros no Brasil. Eles explicaram que não declararam os dólares ao chegar nos Estados Unidos para evitar que fossem assaltados no aeroporto.

Só uma pergunta: se estavam fugindo da violência do Brasil, porque os bispos decidiram se mudar para um país no qual tinham medo de ser assaltados no aeroporto?

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O Deus mercado

Uma coincidência. Na semana em que a imprensa se delicia com mais uma crise global do sistema financeiro, chega aos cinemas o documentário sobre o geógrafo Mílton Santos. Autor do livro Por uma outra globalização, Santos é um dos mais ácidos críticos da nova ordem mundial, que aprofunda o poço entre excluídos e incluídos.

O documentário mostra o professor pronunciando uma de suas célebres frases: “O consumo é o novo fundamentalismo”. Permitam-me a pretensão, mas assino embaixo.

A preocupação dos analistas que discutem a quebradeira nas bolsas é de que diminua o consumo nos Estados Unidos. Se os americanos gastarem 1% menos em compras, deixarão de injetar um trilhão de dólares na economia. Os alarmistas vaticinam o fim do mundo se isso acontecer. Temos informações suficientes para fazer o raciocínio inverso. Se todos nós (o andar de baixo do mundo) realizarmos o sonho pequeno burguês de consumir como os americanos, o planeta não vai resistir. Também será o fim do mundo.

Não creio que a luta contra o fundamentalismo do consumo deva ser bandeira apenas dos militantes anti-globalização. Aqueles que têm fé, aqueles que sonham, nas igrejas ou nas praças, deveriam saber que não há um mundo possível enquanto o consumo for a nossa religião.

A gente começa desejando vinhos, carros, viagens à Disney, e não consegue mais deixar de consumir estilos de vida, comportamentos, sentidos para a existência, padrões de relacionamento. Está tudo disponível como numa prateleira de supermercado. Descartável, é lógico.

Felicidade sem falta

O que é a felicidade? Não creio que seja um estado perfeito de prazer, mas um jeito sereno de atravessar a vida, no qual podemos encarar plenamente tudo o que vivemos, sejam tragédias ou glórias.

André Comte-Sponville, filósofo do nosso tempo, entende que a idéia da felicidade como o encontro daquilo que sacia a minha sede de prazer pode ser equivocada se o prazer for satisfeito apenas pelo que me falta. É o que dizia Platão: “o que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor”. Se for assim, sempre que obtivermos o que desejamos, sentiremos falta novamente.

Nas palavras do Eclesiastes: “Amontoei também para mim prata e ouro, e tesouros de reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras, e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. E eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento”.

É neste contexto que Sponville propõe uma nova relação com os prazeres da vida: “há prazer, há alegria, quando desejamos o que temos, o que fazemos, o que é. Há prazer, há alegria quando desejamos o que não falta!” Até quando você conseguirá ter prazer caminhando por um parque com seu amado ou sua amada? Você pode ter prazer contemplando o pôr-do-sol numa casinha branca de varanda? A isso, o filósofo chama de “felicidade em ato”, ou a substituição do desejo que nasce apenas da falta pelo desejo que é potência (na definição de Spinoza): não é a falta que nos faz querer a coisa ou a pessoa, mas sim a possibilidade de gozar plenamente o prazer daquilo que já temos.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Improbalidade estatística

Veio do meu amigo Eduardo Nunes, sociólogo, por certo, a idéia de que somos, todos nós, improbabilidades estatísticas. A chance de que existíssemos era quase a igual a zero. Pare pra pensar:

Quais foram as condições necessárias para que seus avós se conhecessem? Que situações inusitadas aproximaram seus pais? (Os meus se encontraram porque meu avô paterno, próspero cafeicultor da zona da mata mineira, perdeu tudo o que tinha durante a quebradeira da Bolsa em 1929 e decidiu se transferir para Alvarenga, uma cidadezinha a mais de 400 km de distância, da qual mal havia ouvido falar).

Estabelecidos todos os encontros, cada indivíduo é o que é apenas porque, dentre milhões de espermatozóides, exatamente aquele se juntou ao óvulo.

Se é, no mínimo, jocoso, o raciocínio nos leva a crer que somos totalmente originais. Não há nada como você por aí. Quem poderia, então, amá-lo mais do que você mesmo?

A singularidade quase absurda que a natureza nos reserva me faz pensar que amar a mim mesmo não é ter orgulho exacerbado das minhas virtudes ou piedade disfarçada pelos meus defeitos. Amar a mim mesmo é ter uma boa consciência do que sou, a exata medida das minhas possibilidades. Afinal, como fruto de uma improbabilidade estatística, somente eu posso me medir com a exata medida.

Chega de saudade?

“Toda saudade é uma espécie de velhice” – eu fui dormir com esta frase do Riobaldo. Certo tipo de saudade é mesmo uma espécie de querer ter ou querer ser. Quando a gente sabe o que falta fica angustiado por aquele desejo de possuir e acaba envelhecendo no lugar onde mora a ausência.

Mas, e quando bate aquela “saudade de tudo o que eu ainda não vi”, descrita pelo Renato Russo? Será que esse é outro tipo de tristeza, daquela que os poetas precisam para criar? O Vinícius dizia que “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”.

Não creio que seja possível sobreviver sem experimentar esse querer indescritível, ou a tal “nostalgia indefinível” do Rubem Alves. O reverso da saudade que não tem nome é o instante de plenitude, que, por vezes, toma conta da gente. Sabe aquela sensação, também indefinível, de que temos o controle de tudo? A esta felicidade, irritante, visto que é fugaz, Santo Agostinho chama de “alegria que provém da verdade”.

Não há outra resposta: sofremos a angústia de quem espera conhecer a verdade. É o que diz o poema de Paulo:

Porque agora vemos como em espelho, obscuramente;então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então conhecerei como também sou conhecido.