segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Amor e moral


O amor é a superação da moral.

É de Santo Agostinho a conclusão, descrita na célebre frase: "Ama e faze o que quiseres".

Onde não existe amor, a lei é necessária. Mas a lei pode voltar para o amor, de onde vem. É o que propõe Jesus: "Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: 'ame o seu próximo e odeie o seu inimigo'. Eu porém vos digo: amem os seus inimigos e orem por aqueles que lhes perseguem".

Ou, como diria Paulo aos cristãos do primeiro século: antes da graça, era necessária uma lei que atuasse como um pedagogo. Agora, não mais.

Antes, o amor é a origem da moral: "se o amor não fosse anterior à moral, o que saberíamos da moral? E o que ela nos tem a propor de melhor que o amor do qual ela vem, que lhe falta, que a move, que a atrai?" (Sponville)

Onde há amor, não é necessário impor outras virtudes. Por que uma mãe ama o filho, ainda que ele tropece? Quando conseguimos perceber nossos tropeços? Como diria Kant, é o amor que tudo comanda. Ou, seguindo Spinoza, “toda a felicidade ou infelicidade consiste somente numa coisa, a saber, na qualidade do objeto ao qual aderimos pelo amor”.

Para fechar este confuso labirinto, pensemos novamente na filosofia de Riobaldo: "O mal ou o bem, estão é em quem faz; não é no efeito que dão".

Como Deus ama?


Deus é amor, afirmam os textos bíblicos. Ele criou o mundo por amor.

Mas será que Deus criou porque precisava de algo para se completar? Se assim fosse, ele não seria perfeito. Entender o amor de Deus pode ser um bom caminho para que entendamos a melhor maneira de amar.

Segundo Simone Weil, “a criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou-se de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. Deus negou-se em nosso favor, para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. Esta resposta, este eco que depende de nós recusar é a única justificativa possível à loucura de amor do ato do criador.
As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande Revelação. As religiões que representam a divindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas. Mesmo que monoteístas, são idólatras”.


Alain complementa: “O novo Deus é fraco, crucificado, humilhado... Não digam que o espírito triunfará, que terá potência e vitória, guardas e prisões, enfim a coroa de ouro. Não... É a coroa de espinhos que ele terá”

Amar não é reafirmar o nosso poder.

Amar é esvaziar-se

As "sem" razões do amor


Tirei férias, do trabalho e do blog. Nesse período, resolvi ler sobre um tema que tem me interessado: o amor. Meu objetivo é reencontrar os caminhos desta palavra esvaziada de sentidos. Nos próximos dias, vou postar algumas coisas sobre o tema.

Quero começar pensando na possibilidade de que o amor seja mais dar que receber. Ou, numa comparação filosófica, mais spinozista do que platônico.

Sobre isso, duas citações. A primeira, do grande sábio dos sertões, Riobaldo Tatarana, referindo-se à amizade:

“Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou o- amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é”.

Agora, Pavese: “Você será amado no dia em que puder mostrar sua fraqueza sem que o outro se sirva dela para afirmar sua força”

Seguido do comentário de Sponville:“Esse amor é o mais raro, o mais precioso, o mais milagroso. Se você recua um passo, ele recua dois. Simplesmente para lhe dar mais lugar, para não esbarrar em você, para não o invadir, não o oprimir, para lhe deixar um pouco mais de espaço, de liberdade, de ar, e tanto mais quanto mais fraco o sentir, para lhe impor sua potência, nem mesmo sua alegria ou seu amor, para não ocupar todo o espaço disponível, todo o ser disponível, todo o poder disponível...”

Não é fácil aprender a amar assim, como tentam ensinar os cristãos. Eles proclamam que Deus é amor. Será que podemos aprender algo com esta afirmativa? Vou falar sobre isso depois.