
Um dos poucos objetos do meu passado que guardo com cuidado é uma máquina de escrever da Olivetti. Talvez porque, nos momentos de desconfiança, eu pense que o único aprendizado "acadêmico" realmente útil da minha vida tenha sido o cursinho de datilografia do Senac.
Nesta semana, tive dúvida se já havia apresentado minha Olivetti para a Júlia.
"Filha, você conhece uma máquina de escrever?"
"Claaaaarrrro, papai!"
"Você viu a máquina do papai?"
"Você tem uma?", ela perguntou espantada.
"Tenho.Não foi ela que você viu?"
"Não, papai. Eu vi uma máquina na excursão que a escola fez a um museu"

Se a Júlia conheceu uma máquina de escrever em um museu (quantos trabalhos de escola eu fiz na minha velha Olivetti!), o que dizer do meu primeiro e único aparato mais ou menos parecido com um vídeo-game: o telejogo.
Pra Júlia eu não vou perguntar. Mas, e você: conheceu o telejogo? Se não teve esta oportunidade, não sabe o que perdeu. Nem se comparava a um... atari, mas como era bom jogar tênis girando dois seletores parecidos com aqueles de aumentar o volume das antigas TVs.
Ainda que o presente seja maravilhoso, o passado sempre nos atormenta com suas pequenas coisas. A vida é muito mais um passeio de carrossel do que uma viagem por uma auto-estrada.
Gosto de olhar para trás, às vezes com alegria, às vezes com dor, mas sempre valorizando a saudade.
Estou me lembrando de Drummond
CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!